quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Azul e rosa

Foi paixão à primeira vista.

Tão logo vi aquele vestido nas mãos da professora, que o mostrava para minha mãe, eu o desejei ardentemente.

- É o vestido da Fada Azul, a professora explicou. Algumas das meninas o usarão na apresentação de fim de ano.

Seria eu uma Fada Azul? Não perguntei no momento, portanto fui pra casa apenas com uma esperança.

O vestido era de um azul que eu nunca tinha visto antes, e nem depois. Não era claro, nem escuro. Era um azul perfeito, que me fazia querer mergulhar no tecido. Se Deus inventou o azul, era aquele. O resto seria apenas uma variação.

Do corpete brilhante saíam várias camadas da saia de tule e mangas compridas bufantes e transparentes, tudo isso salpicado de inúmeras lantejoulas pratas, que enchiam de brilho a roupa da fada.

Para completar, um chapéu em forma de cone com um véu na ponta e uma varinha de condão toda prateada, com direito até a estrela, e com exceção das lantejoulas e da varinha, o que reinava era o meu ideal de azul.

Por várias noites sonhei com aquele vestido, ansiosa por saber se iria ou não usá-lo. E finalmente soube que sim.

No grande dia, não me sentia apenas uma fada, mas uma verdadeira princesa. Talvez até mesmo uma rainha. Olhava-me no espelho com os olhos brilhando, rodando as saias de um lado para o outro. Meu pai me pediu para subir na cama coberta por lençóis brancos e ficar de costas para a parede também branca. Tirou uma foto que guardo com carinho não só na gaveta como também na memória: eu naquele cenário branco, vestida de Fada Azul, erguendo minha varinha mágica.

Com o passar dos anos, a foto foi adquirindo um tom rosado nas pontas que antes eram brancas por causa do cenário. Algum químico pode explicar essa mudança na coloração, mas pra mim é apenas efeito da magia.

O gosto do açúcar

Algo além do fato de eu ser filha do filho dele nos unia: o açúcar.

Meu avô foi o único adulto que conheci capaz de quebrar a regra inventada para tornar a vida das crianças mais chata, aquela de que não se pode comer doce antes do almoço ou da janta. Qualquer alimento que contivesse açúcar era sempre bem vindo para ele, independentemente da hora. E em sua companhia eu podia me beneficiar dessa transgressão.

Lembro-me das caixas de chocolate, dos bombons recheados com cereja, das bolachas waffle cobertas de chocolate que ele comprava no armazém da esquina, da maria-mole branca ou colorida feita por minha avó, das tortas de maçã que a gente levava de presente pra ele com muito, mas muito chantilly. Não importava que o alimento já fosse doce, meu avô sempre dava um jeito de deixá-lo ainda mais melado. E tudo isso regado a muito guaraná. Sempre doce em cima de doce e mais e mais doce.

No entanto, é o açúcar refinado que mais ficou em minha memória. Aquele pó branco brilhante adquiria um aspecto mágico em suas mãos.

Eu costumava passar parte das férias em sua casa e durante todo o dia esperava ansiosamente ele chegar do trabalho. Às seis da tarde eu já ficava de plantão e podia ver quando o carro embicava na garagem. Meu avô descia e me colocava de cavalinho em suas costas e lá íamos nós lavar as mãos para mais um ritual. Com as mãos limpas, ele tirava da geladeira dois potinhos de iogurte natural, alimento sem graça para uma criança e também para meu avô, abria cada um deles cuidadosamente e aos poucos ia acrescentando açúcar ao iogurte, que quase chegava a ficar sólido.

Eu observava a tudo atentamente e gostava de ouvir o barulhinho que a colher fazia ao mexer o iogurte cheio de açúcar. E aquilo para meu avô parecia sagrado, tamanha a atenção que ele dispensava à atividade.

Quando o doce ficava no ponto, ele me esticava um dos potes e nós comíamos aquele iogurte rindo um para o outro. E ríamos mais ainda caso minha avó reclamasse que aquela não era hora de comermos doce. Ela não podia entender que para um avô e uma neta toda hora era doce.
Depois que ele partiu os doces não perderam a magia pra mim, mas o iogurte misturado ao açúcar eu nunca mais pude provar.