quinta-feira, 9 de agosto de 2007

O gosto do açúcar

Algo além do fato de eu ser filha do filho dele nos unia: o açúcar.

Meu avô foi o único adulto que conheci capaz de quebrar a regra inventada para tornar a vida das crianças mais chata, aquela de que não se pode comer doce antes do almoço ou da janta. Qualquer alimento que contivesse açúcar era sempre bem vindo para ele, independentemente da hora. E em sua companhia eu podia me beneficiar dessa transgressão.

Lembro-me das caixas de chocolate, dos bombons recheados com cereja, das bolachas waffle cobertas de chocolate que ele comprava no armazém da esquina, da maria-mole branca ou colorida feita por minha avó, das tortas de maçã que a gente levava de presente pra ele com muito, mas muito chantilly. Não importava que o alimento já fosse doce, meu avô sempre dava um jeito de deixá-lo ainda mais melado. E tudo isso regado a muito guaraná. Sempre doce em cima de doce e mais e mais doce.

No entanto, é o açúcar refinado que mais ficou em minha memória. Aquele pó branco brilhante adquiria um aspecto mágico em suas mãos.

Eu costumava passar parte das férias em sua casa e durante todo o dia esperava ansiosamente ele chegar do trabalho. Às seis da tarde eu já ficava de plantão e podia ver quando o carro embicava na garagem. Meu avô descia e me colocava de cavalinho em suas costas e lá íamos nós lavar as mãos para mais um ritual. Com as mãos limpas, ele tirava da geladeira dois potinhos de iogurte natural, alimento sem graça para uma criança e também para meu avô, abria cada um deles cuidadosamente e aos poucos ia acrescentando açúcar ao iogurte, que quase chegava a ficar sólido.

Eu observava a tudo atentamente e gostava de ouvir o barulhinho que a colher fazia ao mexer o iogurte cheio de açúcar. E aquilo para meu avô parecia sagrado, tamanha a atenção que ele dispensava à atividade.

Quando o doce ficava no ponto, ele me esticava um dos potes e nós comíamos aquele iogurte rindo um para o outro. E ríamos mais ainda caso minha avó reclamasse que aquela não era hora de comermos doce. Ela não podia entender que para um avô e uma neta toda hora era doce.
Depois que ele partiu os doces não perderam a magia pra mim, mas o iogurte misturado ao açúcar eu nunca mais pude provar.

4 comentários:

Maureen Ferreira disse...

Talentosíssima Lu,
Seu escrito foi a minha madeleine... Lendo-o, pude sentir o gosto do creme de leite com açúcar que minha avó preparava para mim quando eu já tinha dado cabo de todas as compotas e geléias que ela carinhosamente fazia em minha homenagem (devo-me confessar membro do fã-clube do barulhinho que fazem os molares contra os grãos de açúcar - deve haver mais de nós por aí, não?).
Seu texto me levou de volta à casa da vovó no verão e eu não conheço no mundo um lugar melhor para se estar.
Obrigada!
Um beijão,
Maureen.
P.S. Que delícia foi conversar com você ontem! Não percamos o contato...

Marcia disse...

Oi Lu,quando li "O gosto do açúcar"me lembrei muito do seu avô também,pois fazia com ele o mesmo ritual do iogurte,cheguei a sentir o gosto...
Lembranças boas q ficam para sempre.Bjos.
Márcia.

Marcia disse...

Oi Lu,quando li "O gosto do açúcar"me lembrei muito do seu avô também,pois fazia com ele o mesmo ritual do iogurte,cheguei a sentir o gosto...
Lembranças boas q ficam para sempre.Bjos.
Márcia.

Marcia disse...

Oi Lu,quando li "O gosto do açúcar"me lembrei muito do seu avô também,pois fazia com ele o mesmo ritual do iogurte,cheguei a sentir o gosto...
Lembranças boas q ficam para sempre.Bjos.
Márcia.